terça-feira, 1 de setembro de 2015

O que eu aprendi com um assalto

Direitos autorais aqui.
  


   Terça-feira (25), fui assaltada no bairro João XXIII, em Fortaleza. Às 5:30 da manhã, saí de casa em direção à parada de ônibus que fica cerca de dois quarteirões da minha casa. Logo no primeiro quarteirão, um moreno de regata vermelha, que aparentava ter 25 anos, parou rapidamente com uma moto ao meu lado. "Eu só quero o celular", ele disse com os olhos arregalados e com a voz calma. Gelei, paralisei, não consegui me mexer (eu realmente não consegui entender o que aconteceu comigo até hoje). Depois de alguns segundos (uns dos mais longos da minha vida), ele pediu minha bolsa, já puxando-a de mim. "Moço, deixa eu só pegar meu livro, tô indo pra faculdade", foi a única coisa que consegui falar, totalmente em vão. Ele dobrou numa rua sem saída, voltou, e dobrou na próxima. 
   Bolsa, caderno (com todas as anotações do ano), duas apostilas (você já deve saber que graduando é pobre e só tem xerox na bolsa), constituição, relógio, perfume, documentos (eu ia resolver uns problemas e precisava deles, eu só costumo andar com um documento com foto), carteirinha do plano de saúde (desde pequena fui orientada a sempre ter comigo), 50 reais (também 
destinados a xerox e encadernação de livros) foram levados de mim. Chorei, principalmente pelo caderno e pelos documentos (dava uma dor só de imaginar o tempo que eu teria que enfrentar para tirar segunda via).
   Liguei para minha mãe, ela veio até minha casa, foi comigo na delegacia mais próxima e fizemos um B.O. Fui no Vapt Vupt da Messejana e descobri que precisaria tirar a segunda via da minha certidão de nascimento (eu não sei você, mas não faço a mínima ideia de onde anda a minha).
   Fui para casa, totalmente magoada, agradeci minha mãe e deitei na cama. Quando entrei no meu facebook, uma luz no final do túnel surgiu: um desconhecido falou comigo informando o número pessoal e dizendo que havia encontrado minha CNH e título de eleitor. Liguei, agradeci, chorei (mais uma vez). Ele me deu o endereço do trabalho e fui lá com meu namorado.
   Quando chegamos lá, Alemão, um mecânico muito simpático, disse que mora perto do Dragão do Mar e passa por lá todo os dias às 6:50 para pegar ônibus e ir ao serviço. Na Praça Verde, encontrou meus documentos no chão e levou para a oficina, avisando aos colegas e perguntando o que fazer. Eles tiveram a ideia de me procurar no facebook e falaram comigo às 8 da manhã (eu estava na delegacia nesse horário). Eles ainda pensaram até em ligar para a Verdes Mares (filiada da Globo aqui em Fortaleza), porque eu não respondia (o que me fez chorar mais ainda, me desculpa). "Como eu encontrei teus documentos longe um do outro, te aconselharia ir lá e perguntar pros seguranças se encontraram alguma coisa", disse Alemão. Dito e feito: fui lá com meu namorado.
   "Moço, é que eu fui assaltada mais cedo e um rapaz encontrou meus documentos aqui perto, mas ainda falta outros, o senhor pode me informar se foi encontrado algum?", perguntei ao segurança. "Qual seu nome?", ele perguntou, me olhando. "Nathália", respondi. "...de Paula?", ele perguntou e não pude esconder o sorriso. Minha carteira e minha identidade estavam na administração do Dragão do Mar. Novamente, mais agradecimentos. 
   Plano de saúde, fica mais fácil tirar segunda vida. Apostila, a gente tira xerox de novo. Cinquenta reais vem em dobro mais tarde, se você batalhar por isso. Bolsa, a gente compra bem baratinho. Constituição tá ultrapassada e sendo vendida por vinte reais. Relógio, a gente compra outro (ai, que falta me faz esse...). Perfume, a gente substitui rapidinho (obrigada, mamãe!). Honestidade... Bem, a gente não encontra em qualquer esquina, viu? Uma chama acendeu dentro de mim trazendo esperança sobre a existência de pessoas boas no mundo. Meus vizinhos, batendo na minha porta ou onde quer que eu fosse, perguntando se eu estava bem com um abraço e um "qualquer coisa que precisar, me avise, ok?" foi mais um motivo.
   Hoje, eu levo comigo apenas uma xerox autenticada da identidade, fico ainda mais atenta com o que acontece ao meu redor e já tô procurando um relógio de dez reais (porque sem relógio não dá, sério).
   Eu não vou questionar o porquê de "Deus ter me abandonado", não vou dizer que a culpa é da Dilma, não vou cuspir palavras brutas sobre a atual política e não vou, muito menos, julgar o que "merece" ou não o moreno de camisa vermelha, até porque já aconteceu, né? O que eu ganharia com tudo isso? Tive sorte por não ter levado, no mínimo uns tapas, e agradeço até hoje por isso. A gente se preocupa tanto com coisas fúteis que esquece de ver o lado bom das coisas. Eu consegui ver o lado bom do meu assalto, mas e você? Fez algo parecido?



Essa é uma história real que aconteceu comigo no tempo e espaço mencionados.
Postar um relato sobre assalto com a opção "curtir" no facebook nunca me pareceu coerente, por isso decidi publicar aqui. 
Alemão é mecânico na oficina 6 Bocas. (Você pode encontrá-la aqui).